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Minha organização promove mudanças culturais a partir dos projetos que desenvolve?

Se há uma coisa que temos feito nesses últimos meses é refletir! Sobre o mundo, sobre nós mesmos, nossos valores... E muitas vezes não gostamos do que vemos. A pandemia expôs ainda mais um mundo ambíguo e pulsando por mudanças. Vemos fragilidade, mas também resiliência; indiferença, mas também solidariedade; discurso, mas também ação. Tudo ao mesmo tempo, agora.

Esse cenário não é novo, foi se construindo aos poucos. Ficou apenas mais visível nos últimos tempos. Quando comecei a atuar em Negócios Sociais, em 2015, uma fresta de luz se abriu não apenas para mim, mas para muitos jovens que iniciavam sua vida profissional e ao mesmo tempo buscavam um propósito. As experiências realizadas com meus alunos de graduação resultaram em muitos projetos que hoje correm o mundo.

De lá pra cá, venho percebendo um interesse cada vez maior das pessoas pelos negócios de impacto. Um sinal de que o mundo está mudando mesmo. De um lado, consumidores ativistas, insatisfeitos com a postura de suas marcas favoritas. De outro, organizações - muitas delas tradicionais, com faturamento altíssimo e até então uma inspiração para o mercado - acuadas, rodando em um modelo ultrapassado, preocupadas apenas com lucros e, o que é pior, completamente despreparadas para enfrentar esse novo mundo. Nem mesmo seus profissionais brilhantes conseguiram resolver um problema que parece simples: humanizar suas práticas.

Continuei aqui, pensando com os meus botões: Caramba, não vai dar pra continuar assim! Enquanto todos os negócios não forem pensados para gerar impacto positivo na sociedade, não haverá mudança. Dos Negócios Sociais saltei para a Responsabilidade Social. Passei o ano de 2019 estudando o assunto no Laboratório de Responsabilidade Social da UFRJ. Mergulhei na teoria para entender a prática. Conheci inúmeros casos, ouvi muitos especialistas, aprendi a produzir e traduzir relatórios de sustentabilidade. Tudo isso ajudou a construir novas reflexões.

Dessas reflexões e também de muito trabalho, surgiu, em 2020, a Casa Dez, um espaço para ajudar organizações a se tornarem lugares melhores. Para quem as lidera, para quem trabalha nelas e para o mundo. Como? Através de metodologias de geração de impacto, análise e relatoria de indicadores de impacto socioambiental, programas de Responsabilidade Social Corporativa, entre outras atividades.

Olhando para trás, percebo que esse percurso se deu naturalmente, a partir de muitos questionamentos e reflexões sobre o que eu vinha fazendo e como eu vinha atuando nas empresas onde trabalhei.

A minha experiência é apenas um recorte do que os profissionais estão vivendo hoje nas mais variadas áreas. As perguntas são muitas: Estou feliz com o rumo da minha carreira? O que eu faço é relevante? Qual é o impacto do meu trabalho na vida de outras pessoas? Como atua a organização para a qual eu trabalho? Ela está alinhada a esse novo mundo?

Não é fácil se deparar com esses questionamentos. Há quem prefira voltar duas casas e ficar na zona de conforto. Mas há os que preferem mergulhar no desconhecido. Até porque – atenção, vai rolar spoiler! – não vai ter jeito! Mais cedo ou mais tarde, você vai ter que responder a pergunta que vale um milhão: minha organização promove mudanças culturais a partir dos projetos que desenvolve?

Aí que mora o perigo! Boa parte das organizações está enfrentando dias difíceis com denúncias de todo tipo, vindas de parceiros, colaboradores, clientes. O social washing e o greenwashing foram escancarados. Passar pano? Nem pensar!

Sabe por que isso está acontecendo? Primeiro, porque nos tornamos de fato os consumidores autores aos quais Francesco Morace se referiu em seu ‘O consumo autoral’. Nos tornamos protagonistas e somos capazes de gerar informações que em pouco tempo podem chegar a bilhões de pessoas no mundo todo. E segundo, porque as organizações criaram o hábito de investir em projetos pensando que isso poderia mudar a cultura da empresa.

Mudar a cultura não é simplesmente investir em um projeto aqui, outro ali, É verdade que isso já é um bom começo. Mas mudar cultura exige energia, escuta, engajamento, empatia, generosidade. Mudar a cultura é a única forma de obter resultados melhores.

Ao longo da minha trajetória na área da moda vi um mercado bilionário e influente se desmantelando diante de denúncias de machismo, racismo, homofobia, gordofobia, etarismo e outros tantos modelos de discriminação.

Vi também marcas e instituições investindo pesado em projetos geridos quase sempre pelo Marketing, e não por um departamento de Responsabilidade Socioambiental (que na grande maioria dos casos não existe!), sem se preocupar com o impacto gerado. Certa vez perguntei a um líder quantas pessoas haviam sido impactadas por um projeto que estavam desenvolvendo. Ele respondeu que não tinha a menor ideia. Como assim?

Também vi e vejo até hoje o mercado da moda falando muito em sustentabilidade, mas sem nenhuma referência aos indicadores, aos diferentes tipos de relatórios e suas especificidades. A moda é um dos assuntos que me motivam bastante e sobre o qual pretendo falar mais por aqui, mas o que eu gostaria de trazer para esse debate é exatamente o cenário que estamos vivendo hoje.As marcas se tornaram caixas de vidro de fato. Camuflar atitudes é praticamente impossível. Nesses tempos onde transparência virou palavra de ordem, investir em Responsabilidade Social é urgente.

Ninguém está falando que investir em projetos é ruim. Muito pelo contrário, a ideia é engajar projetos em uma política consistente de Responsabilidade Social. Não precisa ser grande, ter muito dinheiro, muitos funcionários, espaços quilométricos, definitivamente não!

Para quem está começando, basta ter vontade de começar certo, pensando além do negócio. E para quem já começou, mas ainda não está alinhado com essas novas práticas, a dica é: dá meia volta e começa de novo! Investir em projetos de nada adianta se a cultura da empresa permanecer ultrapassada e totalmente desconectada das pautas contemporâneas.

Agora, me conta! E aí na sua empresa, os projetos já se transformaram em cultura?

Por Gláucia Centeno - Cofundadora da Casa Dez - Jornalista com formação em design e responsabilidade social