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Novembro um mês que nos convida à consciência

 

Quais relações podemos estabelecer entre eleições, mês da consciência negra e Black Friday

Consciência, substantivo feminino, do latim conscientĭa.

Capacidade para discernir; discernimento, bom senso. Noção do que se passa em nós; conhecimento.

Novembro foi um mês que nos convidou a pensar sobre consciência, estamos em pleno período eleitoral. As cidades definiram seus representantes para o legislativo no último domingo, algumas já definiram seus prefeitos e outras caminham rumo ao segundo turno. É aí que muito se fala sobre voto consciente, escolha consciente.

Muitas vezes eu tenho a sensação que a palavra consciente virou nicho de mercado, uma característica dentro de áreas específicas, como se fosse um selo para marcas ou empresas. Mas eu quero aqui falar da consciência como intenção, implicação com as nossas escolhas, seja na hora de consumir, produzir, nos relacionar.

Começamos a utilizar o conceito de consumo consciente, moda consciente, voto consciente de forma intensa e, talvez, sem "consciência"do que isso quer dizer e do convite que nos é feito quando ampliamos nossa consciência, ou seja, nossa capacidade de discernir, de perceber aquilo que nos atravessa.

Consciência racial: um debate para pessoas negras e brancas

Outro cenário que essa palavra aparece em novembro é no debate racial. Novembro, mês da consciência negra e com ela um chamado à reflexão que nem todas as pessoas parecem estar dispostas a fazer e, principalmente, se deslocar.

A consciência negra diz da percepção de pessoas negras em relação às suas origens, no entendimento das raízes culturais e históricas dos seus ancestrais. Seria, então, um momento para que essas pessoas tomem consciência do lugar que ocupam em todas as dinâmicas sociais. Ao mesmo tempo entendo que é também um convite à nós brancos, para refletir e tomar consciência dos privilégios sociais, políticos e econômicos que nos foram garantidos ao longo de tantos anos nesse país.

Nesse sentido, é preciso romper com essa lógica de que o debate racial é para negros e responsabiliza-los pela construção de políticas de promoção de igualdade racial. Uma postura covarde que nós brancos nos colocamos, na defesa de nossos privilégios, negligenciando o racismo estrutural, sistêmico e, em inúmeros casos, institucional.

O exercício da consciência crítica nos convoca a buscar informação de forma racional, como por exemplo, o que nos mostra o Instituto Ethos em pesquisa de 2017, onde pessoas negras ocupam apenas 6,3% dos cargos de gerência, embora representem mais da metade da população brasileira. E a presença de mulheres negras é ainda mais desfavorável, com 1,6% em posições de gerência e apenas 0,4% no quadro executivo. Uma situação que se inverte em vagas de início de carreira ou baixa exigência profissional, com 57,5% em níveis de aprendizes.

Reverter este sistema, exige de nós intenção e implicação para nos debruçarmos sobre a consciência negra - em termos de cultura, política, trabalho - todos os dias, com engajamento de pessoas negras e brancas.

Esse movimento consciente passa (também) pelas empresas

Pessoas e empresas se identificam com esse conceito de "conscientes" e vêm carregando essa ideia como bandeira, o que é ótimo. Mas precisamos refletir sobre aquilo que estamos fazendo com essa consciência, ou seja, com essa intenção de mudar caminhos. Nos questionar se estamos efetivamente levantando e conduzindo essa bandeira para produzir mudanças que nos levem a outros lugares e possibilidades coletivas, ou se estamos levando tudo isso para mais um nicho de mercado e abrindo caminho para que grandes empresas se apropriem desse discurso sem práticas legítimas.

Claro que é essencial, necessário, talvez urgente, que grandes empresas acolham esse discurso. Afinal, são elas que apoiarão um movimento que faça com que a maioria da população tenha acesso à produtos e serviços mais sustentáveis. E são também elas que empregam a maior parte da população, fazendo com que o exercício de práticas de trabalho e gestão responsáveis interfira de fato na sociedade. Mas é preciso fazer isso com verdade e está aí o perigo de nicharmos o conceito de consciência.

Novembro, além de ter sido marcado pelas eleições e ser mês da #consciêncianegra , tem a #blackfriday, que vem se popularizando cada vez mais no Brasil e traz o consumo consciente para os diálogos desse período. Novamente, me sinto convidada a refletir sobre a palavra que abre esse texto.

Vale dizer que para mim o conceito de consciência não está dado, nem fechado, mas vem sendo construído a partir das nossas vivências sociais, na medida em que experimentamos, juntos, um novo modo de existência que tem se refletido em nossas atitudes.

Dito isso, alinho o termo consumo consciente a uma noção de compra com intenção, rompendo novamente a perspectiva de consciência mercadológica, que simplesmente adiciona o termo consciente em marcas, como selo e adjetivo de boas práticas. Nem tudo aquilo que compramos é possível escolher de marcas que se autointitulam conscientes e sustentáveis, assim como nem sempre é possível consumir de marcas pequenas ou com processos mais responsáveis.

Atrelar consumo consciente à empresas sustentáveis faz com que excluamos uma parcela gigantesca da população que, por uma infinidade de questões que vou optar por não trazer neste artigo, não acessa esses produtos e serviços.

Ligar consumo consciente às marcas deixa a percepção que está tudo bem consumir sem limite, desde que de marcas com seladas. Quando deslocamos o conceito das marcas, o relacionamos com escolha e intenção de consumo, dividindo, assim, responsabilidade entre as empresas e as pessoas.

Construção de políticas públicas que estimulem uma mudança de consciência sistêmica

Não podemos esperar de forma inerte que empresas, indústrias, modifiquem sozinhas suas práticas, seu modo de produção. Sobretudo quando vivemos uma lógica de mercado baseada no capital. É aí que entra a necessidade de construção de políticas públicas voltadas para produção de mudanças de forma macro.

Voltando à consciência com relação às eleições, quando a gente vota de forma consciente, com intenção, escolhendo candidatas e candidatos com uma visão de mundo mais alinhada com a nossa, pessoas investidas dessa "intenção sustentável", que entendem a importância da afirmação de uma consciência negra, serão essas pessoas que trabalharão para a formulação de políticas públicas e leis que (re)direcionem o mercado, a indústria, as relações de trabalho. Para que, de alguma maneira, obrigue as empresas a agirem de forma diferente.

A Casa Dez, empresa que criamos para apoiar organizações a desenvolverem práticas mais sustentáveis, acredita verdadeiramente no poder do microempreendedor, da economia circular, da gestão colaborativa, do estímulo a produção e consumo local, fazendo o dinheiro circular de forma territorial e comunitária. Mas é inegável que neste mundo, da forma como está configurado hoje, a gente precisa que as grandes marcas entrem nesta pauta sobre sustentabilidade e responsabilidade. Essa mudança de consciência é de ordem sistêmica.

E este texto nos chama atenção para que observemos se as mudanças que vêm sendo feitas até aqui estão sendo feitas de forma transparente, com intenção e consciência, para além de uma lógica de mercado e do capital. E que essa análise seja feita nas empresas, mas também (e principalmente) em nossas práticas.

Por Mariana Uchôa - cofundadora da Casa Dez, psicóloga e gestora social.

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