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Um simples presente de Natal também tem tem passado e futuro

Todo final de ano a gente costuma fazer aquela faxina nos armários. Este ano, com a pandemia, tivemos tempo de sobra para fazer muitas faxinas. Mas certamente não conseguimos reduzir para menos da metade os objetos de uso pessoal e da casa, incluindo roupas, móveis, eletroeletrônicos, produtos de higiene e beleza. Quem conseguiu desapegar de mais da metade de tudo o que tinha pode se considerar um corajoso ou uma corajosa.

Viver em um mundo onde há uma grande oferta de produtos e o consumo é exagerado, exercitar o desapego é praticamente impossível.

Cada vez mais, o mercado trabalha para encantar e atrair consumidores sempre ávidos por novidades. No entanto, este encantamento diante da possibilidade de poder adquirir bens materiais infelizmente não representa a grande parte da população mundial.

Quase metade da população vive abaixo da linha da pobreza. De acordo com estudo do Banco Mundial, em 2018, 3,4 bilhões de pessoas em todo o mundo possuem renda inferior a 5,50 dólares por dia. No Brasil, a situação atinge um quarto da população.

Grande parte da população sequer tem acesso à alimentação, água potável, eletricidade, moradia, educação e saúde. Segundo a ONU, enquanto a humanidade produz mais de 2 bilhões de toneladas de lixo por ano, a fome atinge mais de 800 milhões de pessoas no mesmo período.

Isso prova a ineficiência do atual modelo de desenvolvimento - não apenas do ponto de vista social, mas também ambiental. São questões que desafiam profissionais de todas as áreas, inclusive os designers.

No final da década de 1960 e início da década de 1970, o design voltado para o mercado, o consumo e a obsolescência planejada passaram a ser fortemente criticados, dando espaço para o surgimento de novas propostas que pregavam um design ecológico e social. O austríaco Victor Papanek em seu livro Design for the real world (1971) tentou mostrar um caminho alternativo para o design, menos direcionado ao mercado e mais para o indivíduo e a comunidade

As ideias de Papanek, bem como a onda de protestos contrários ao consumo excessivo propostos pelo movimento da Contracultura, causaram incômodo aos interesses da produção industrial capitalista.

Mais recentemente, em Plano B: O Design e as Alternativas Viáveis em um Mundo Complexo, o inglês John Thackara, afirma que necessitamos de uma proposta alternativa ao sistema econômico, político, social e produtivo que nos trouxe até aqui. Para ele, é preciso que se pense mais em serviços e infra-estrutura, e menos em produtos físicos.

O autor acredita ainda que o grande desafio deste século será projetar para recuperar a qualidade de vida, o tecido social e ambiental da própria região sem descuidar da própria diversidade cultural.

Hoje sabemos que o desenvolvimento tecnológico, o consumo e a busca por alto padrão de conforto sobrecarregou o meio ambiente. É, portanto, cada vez mais necessário refletir e encontrar caminhos para uma melhor relação entre produto - ambiente - sociedade.

Na moda, por exemplo, são muitos os impactos sociais e ambientais. Da Alta Costura ao Fast Fashion.

A cadeia de produção do jeans é uma das que mais gera impactos ambientais, pelo consumo intenso de água e de energia, uso de produtos químicos e pela geração de efluentes. Mas não para por aí!

Pesquisas mostram que a etapa de uso de uma calça jeans é a que gera maior impacto ambiental, representando até 92% do total de consumo de água ao longo do seu ciclo de vida. Isso revela a importância de conhecermos e analisarmos o ciclo de vida dos produtos. Só assim será possível identificar estratégias que diminuam ou até mesmo anulem os efeitos negativos presentes no ciclo de um produto sobre o meio ambiente.

Grande parte dos problemas ambientais atuais foram causados pelos modelos tradicionais, que sempre desconsideraram qualquer impacto ambiental na hora de projetar, manufaturar, transportar e vender bens e serviços. O Ecodesign é a aplicação prática de requisitos ambientais desde o início do projeto e pode ser classificado como uma etapa anterior ao design sustentável.

Na concepção do Ecodesign, os produtos devem ser feitos com materiais de baixo impacto ambiental; produzidos com o mínimo consumo de energia; ter qualidade e durabilidade, funcionando melhor, gerando menos resíduos sólidos. No quesito modularidade, as peças devem ser trocadas em caso de defeito, evitando a substituição do produto, o que também gera menos lixo. Também deve prevalecer a criação de objetos feitos a partir da reutilização ou reaproveitamento de outros produtos, estendendo o seu ciclo de vida, podendo estes também ser reutilizados ou reaproveitados posteriormente.

Ciclo de Vida do Produto

Em época de Natal, costumamos aproveitar as promoções para adquirir quantidades enormes de objetos, mas não nos importamos em conhecer a sua procedência e o seu destino final. Por isso a necessidade de investigar o Ciclo de Vida do Produto.

O CVP envolve o nascimento, a vida e a morte de um produto e deve ser percebido como uma só unidade, ou seja, o produto é um conjunto de atividades e processos embutidos em seu sistema: fluxos de materiais, uso de fontes de energia, emissões de substâncias no meio ambiente e as influências do sistema como um todo (da extração de matérias-primas ao descarte final).

Portanto, o produto não deve ser considerado como um objeto presente no momento da compra ou uso e sim como todo o seu trajeto passado e futuro.

As etapas do Ciclo de Vida do Produto são:

  • Pré-produção – Fase onde são produzidos os materiais que serão utilizados posteriormente na produção dos componentes.

  • Produção – Etapa em que os materiais tornam-se peças específicas que individualmente ou juntas irão compor um novo produto. Fazem parte desta etapa a transformação dos materiais, a montagem e o acabamento.

  • Distribuição – O foco desta etapa é abastecer o mercado de produtos. Fazem parte desta etapa embalagem, armazenagem e transporte.

  • Uso – Considerada a etapa final, deve levar em conta recursos externos para o funcionamento do produto e o impacto do produto e dos recursos externos no meio ambiente. Considera-se, nesta etapa, uso ou consumo e serviços de suporte para uso.

  • Descarte – Fase em que o produto perde o valor funcional para o usuário. Devemos atentar para a eliminação do produto e sua embalagem, suas possibilidades total ou parcial de reciclagem e presença de elementos tóxicos no produto.

  • Para avaliar as consequências ambientais das decisões adotadas em cada etapa de elaboração do produto, foram definidos parâmetros. A Análise do Ciclo de Vida (ACV) é uma técnica desenvolvida para mensurar os possíveis impactos ambientais causados como resultado da fabricação e utilização de determinado produto ou serviço.

    Em décadas passadas, essas análises eram focadas na produção. Hoje, as empresas adotam estratégias que contemplam todo o ciclo de vida do produto em função de alguns fatores como a conscientização do aumento de lixo, o surgimento de leis que responsabilizam os produtores pelo fim dado a seus produtos e a valorização dos selos e certificações.

    Com a ACV foi possível perceber que, muitas vezes, o problema não estava na produção e que as diferentes categorias de produtos e suas especificidades influenciam no comportamento dos mesmos durante todo seu ciclo de vida.

    Assim como a calça jeans, os eletroeletrônicos também apresentam problemas de impacto ambiental no uso, pois necessitam geralmente de energia para o seu funcionamento.

    No caso do plástico, por exemplo, de acordo com a pesquisa Atlas do Plástico, da Fundação Heinrich Böll, o planeta poderá atingir, já em 2025, mais de 600 milhões de toneladas de plástico produzidas anualmente — um aumento de 50% em relação à produção atual.

    O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking de maiores produtores de lixo plástico do planeta, com 11,3 milhões de toneladas descartadas por ano, e só recicla 1,28% dos resíduos, segundo a WWF. Assim, o destino de 7,7 milhões de toneladas de plástico são os aterros sanitários e 2,4 milhões de toneladas vão para céu aberto, impactando solo, cursos de água, fauna e flora e também as cidades.

    Números como estes preocupam e desafiam os diversos setores da sociedade na busca por soluções rápidas e eficientes para a proteção do meio ambiente.

    Entre os consumidores, a conscientização vem chegando aos poucos. Seja na descoberta de novas formas de estender ao máximo o uso dos produtos ou pensando na melhor maneira de descartá-los.

    A reutilização e a reciclagem são formas de ampliar o ciclo de vida dos produtos. Elas compõem os chamados 3 R's da Sustentabilidade, que representam as principais atitudes que devem ser adotadas para que os recursos naturais sejam poupados e o desperdício seja diminuído.

    O primeiro “R” simboliza a ideia de reduzir o consumo de bens e serviços. Já a reutilização e a reciclagem têm como principais objetivos uma melhor gestão de resíduos, além da diminuição do uso de energia, o combate ao desperdício e a promoção de um descarte mais inteligente. Por mais que pareçam conceitos semelhantes, são ações completamente diferentes.

    Reutilizar consiste em aproveitar a função de um produto ao máximo, mas sem que ele seja transformado em outro item de consumo. A reutilização de um material não o coloca em um novo ciclo de produção, mas sim o reaproveita para outras finalidades. Por exemplo, papéis usados que se transformam em blocos de rascunho, móveis que podem ganhar novos usos e roupas usadas que são vendidas novamente ou transformadas em outras peças.

    Reciclar (re-ciclar) significa colocar um material em um novo ciclo de produção, transformando-o em um outro produto com uma nova utilidade. Trata-se de aproveitar o que for possível de um objeto, transformando-o em outro produto que possui uso e valor diferente do apresentado pelo material original. Por exemplo, as garrafas PET, que podem ser transformadas em outras embalagens e até em tecidos.

    Produtos no fim do seu ciclo de vida podem ser recuperados, renovados e reutilizados para diminuir custo, consumo de recursos e produção de emissões. As embalagens representam grande parte dos problemas na hora de transportar um produto. Mas já existem muitas ideias criativas que contribuem para a preservação ambiental.

    Consumo consciente

    Novas atitudes não dependem apenas da indústria e sim do engajamento dos consumidores.

    A Pesquisa Akatu 2018 – Panorama do Consumo Consciente no Brasil: desafios, barreiras e motivações investigou a evolução do grau de consciência dos brasileiros no comportamento de consumo, além de indicar os principais desafios, motivações e barreiras à prática do consumo consciente.

    A pesquisa identificou crescimento no número de pessoas que já incorporaram pelo menos 5 práticas sustentáveis ao seu dia-a-dia. O grau de consciência divide os perfis em 4 categorias: indiferente, iniciante, engajado e consciente.

    Uma das conclusões da pesquisa é que houve um crescimento significativo no segmento do consumidor “iniciante”, de 32%, em 2012, para 38%, em 2018 – o que mostra que o momento é de recrutamento dos consumidores indiferentes para hábitos mais sustentáveis de consumo.

    No entanto, a pesquisa aponta que são 76% os menos conscientes (“indiferentes” e “iniciantes”) em relação ao consumo. O segmento de consumidores mais conscientes (“engajados” e “conscientes”) é majoritariamente feminino e mais velho. Já o segmento dos “indiferentes”, o grupo menos consciente de todos, é majoritariamente mais jovem e masculino.

    Outra pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) em todas as capitais do país, mostra que a maioria dos brasileiros (97%) possui alguma dificuldade em adotar práticas de consumo consciente.

    Os principais entraves mencionados pelos entrevistados para a falta de hábitos mais responsáveis são o alto preço dos produtos orgânicos (37%) e os obstáculos em separar o lixo para a reciclagem (32%). Além disso, 30% reconhecem não conseguir reduzir a quantidade de lixo gerado e outros 30% enfrentam barreiras em engajar os vizinhos nessa prática.

    De acordo com o levantamento, o brasileiro ainda é considerado ‘consumidor em transição’, ou seja, mais da metade (58%) mantém práticas de consumo consciente, mas em frequência aquém da desejada. Já três em cada dez (29%) se encaixam como ‘consumidor consciente’, enquanto 13% somam os pouco ou nada conscientes.

    Os dados fazem parte do Indicador de Consumo Consciente (ICC), que em 2019 atingiu 73%, mantendo-se estável em relação ao ano anterior, ao registrar o mesmo percentual. O ICC pode variar de 0% a 100%: quanto mais próximo de 100% for o índice, maior é o nível de consumo consciente.

    Como pudemos ver, é preciso trabalhar de forma integrada para que haja um equilíbrio entre produção e consumo e um fortalecimento na direção de um mundo mais sustentável. Poder público, privado, Terceiro Setor e sociedade têm em mãos um grande desafio – preservar os recursos e manter as condições de vida na Terra para esta e para as futuras gerações.

    E já que estamos na semana do Natal, vale lembrar que esta é uma data simbólica que marca um período de reflexão espiritual, mas também de consumo excessivo. Todos os anos, a festa é marcada por desperdício de alimentos, alta geração de lixo e compra de muitos produtos de vida útil reduzida. O site ecycle.com.br traz oito dicas para aderir a um Natal sustentável, que priorize o consumo consciente e atitudes mais ecológicas.

    1. Consuma alimentos da estação e que sejam cultivados nas proximidades

    2. Não coloque luzes em árvores vivas

    3. Faça seus próprios enfeites ou use frutas e plantas vivas

    4. Se precisar de embalagem, não use plástico, use a criatividade.

    5. Aprenda uma receita vegana e compartilhe

    6. Se for às compras, leve bolsa ou ecobag

    7. Compartilhe experiências, não coisas

    8. Dê um presente consciente, optando por roupas provenientes do slow fashion, produtos produzidos localmente, que valorizam os trabalhadores da cadeia de produção, veganos e que tenham uma pegada mais leve.

    Que tal as dicas? Super importantes, né?

    Ainda dá tempo de colocá-las em prática. Aliás, sempre é tempo de incorporar atitudes que causem menos impacto ao meio ambiente e às pessoas!

    Um Natal feliz e sustentável a todos e todas!

    Por Gláucia Centeno

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